Entrevista: Torben Grael é o nome da vez na vela mundial

Por: Redação -
02/12/2016

A vela mundial passa por uma série de mudanças, no sentido de preservar a essência do esporte. A realização da Star Sailors League, cujas finais acontecem em Nassau, nas Bahamas, são sintoma disso, uma vez que a modalidade espelha-se na Associação de Tenistas Profissionais (ATP), que foi criada para defender os interesses dos atletas e, ao longo do tempo, ganhou autonomia para organizar campeonatos – que, por sinal, se tornaram referência no mundo todo.

O que os ventos mais recentes sopram é que essas mudanças passam também pelo Brasil, já que, há pouco mais de 15 dias, o multimedalhista olímpico Torben Grael foi eleito um dos sete vice-presidentes da Federação Internacional de Vela, a World Sailing (antiga Isaf). Torben compõe a chapa do dinamarquês Kim Andersen, que vai gerir a entidade nos próximos quatro anos, mas é tido pela imprensa internacional como “o cara” a ser seguido nas futuras decisões envolvendo a modalidade, dada sua experiência não só como velejador mas, ainda, como dirigente. “É preciso escutar os velejadores. A federação existe em função dos velejadores, e não o contrário”, defende ele, que critica a criação de novas classes. “Isso favorece apenas as equipes mais poderosas economicamente”, opina.

Nesta entrevista exclusiva à NÁUTICA, Torben Grael – que participa das finais da Star Sailors League em Nassau, nas Bahamas – adianta que deverá permanecer no cargo de coordenador técnico da equipe de vela do Brasil, dando continuidade à preparação brasileira para Tóquio-2020. “Foi uma campanha muito boa para o Brasil (na Rio-2016). O desafio é a gente tentar manter o alto nível”, diz o novo VP da World Sailing. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.

A imprensa internacional tem destacado que, mesmo sendo o presidente da entidade dinamarquês, a experiência de Torben Grael será determinante nas decisões a serem tomadas pela World Sailing. O que você pode dizer a esse respeito?

É bom que essa seja a opinião que está em voga! (risos) Eu tenho tentado contribuir bastante para o esporte, não só no Brasil, por meio da Associação Brasileira de Veleiros de Oceano (ABVO), da qual eu fui vice-presidente na gestão do Lars (Grael, irmão dele), com o próprio Projeto Grael, em que a gente trabalha com a base da vela também, há 18 anos, e tenho experiência em vários tipos de velas diferentes, desde monotipo, de classe olímpica, até volta ao mundo (Volvo Ocean Race), Amercia’s Cup… Acho que isso tudo é bastante importante. E escutar também os velejadores! A federação existe em função dos velejadores, e não o contrário. Às vezes dá a impressão que a ordem vem lá de cima e os velejadores que se virem. Acho importante lembrar que a federação existe para servir os velejadores.

Você já disse que a Star Sailors League é um embrião para que, um dia, tenhamos uma ATP na vela. Quais serão os principais pontos da sua plataforma na vice-presidência da World Sailing?

Acho que precisamos de um pouco de estabilidade. Nos últimos mandatos da World Sailing, houve muita inconsistência, muita sede de mudança sem raciocínio por trás. A vela é um esporte bastante tradicional, que não foi inventado ontem e é praticado há 150 anos. Evoluir é importante, mas não acho que tem que revolucionar o esporte o tempo todo! A gente tem que fazer mudanças de forma estudada, com critério, para que não se fique indo e voltando com mudanças sem sentido. Acho, por exemplo, que a gente teve mudanças de mais de classe em pouco tempo (de 2000 para cá, por exemplo, foram criadas as categorias 49er, 49erFX e Nacra 17), sem critério por trás das mudanças, com muito lobby e interesses econômicos por trás delas. É preciso fazer essas coisas com critério, a partir de uma filosofia que você quer para o esporte, principalmente no caso das classes olímpicas, e ir fazendo mudanças aos poucos. E as mudanças têm que ser feitas sempre para a segunda próxima Olimpíada, e não para a próxima, porque quatro anos ou três anos e pouco é tempo insuficiente para você preparar uma equipe corretamente. Você tem que ter mais tempo para planejar e treinar os atletas para ser competitivo. A cada vez que você faz essa mudança em tempo exíguo, favorece apenas as equipes mais poderosas economicamente, em detrimento daquelas menos favorecidas. Então, isso é ruim para o esporte.

A propósito disso, a assembleia geral que elegeu sua chapa optou pela manutenção das atuais 10 classes olímpicas para Tóquio-2020. Haveria possibilidade da inclusão de uma outra classe ainda? Qual seria?

A gente teve essa chance para o Rio de Janeiro e a Federação Internacional de Vela optou por não incluir a Star de volta no programa olímpico. Se isso tivesse acontecido, teríamos estas 11 classes e seria mais fácil mantê-las, até porque o Comitê Olímpico Internacional quer igualdade de gêneros e, hoje, nós temos quatro classes femininas (49erFX, RS:X, Laser Radial e 470), cinco masculinas (49er, RS:X, Laser, 470 e Finn) e uma mista (Nacra17). Ou seja, já com esses números não há igualdade. Além disso, em geral, as classes que têm o mesmo barco masculino e feminino, como a Laser, a prancha (RS:X) e a 49er, sempre têm mais representantes no masculino que no feminino. Então, a gente tem que acertar isso um pouquinho e, portanto, se tiver que incluir uma classe, tem que ser feminina – senão vai piorar esse balanço. Mas a decisão é de manter as classes para Tóquio-2020 e discutir quais serão as classes em 2024.

Você é um dos sete VPs eleitos da World Sailing. Cada um terá atribuições específicas ou poderá trabalhar temas diversos ou com os quais tenha mais afinidade?

Acho que essas três coisas. A gente vai ter atribuições específicas e cada um vai tentar trabalhar onde tem mais conhecimento para contribuir. Essa decisão vai ser tomada numa reunião da entidade, em Dubai, que vai acontecer de 8 a 12 de dezembro.

Neste período de trabalho na World Sailing, você continuará à frente da coordenação técnica da CBVela?

Vou definir isso após a reunião da World Sailing, em Dubai, mas possivelmente, sim. Até porque não sou ligado diretamente à CBVela, e sim ao Comitê Olímpico do Brasil (COB).

Qual a sua opinião sobre o novo presidente da CBVela, na verdade reeleito, Marco Aurélio de Sá Ribeiro?

É gente com experiência, que viveu os dois lados da questão, como atleta e como organizador. Então, acho que isso é importante.

E o que é preciso observar e melhorar para a próxima campanha, tendo em vista, inclusive, o desempenho do Time Brasil na Rio-2016?

Nós vamos ter dificuldade para Tóquio-2020, porque a gente teve, obviamente, com a realização da Olimpíada no Brasil, recursos extras que acho que a gente dificilmente irá conseguir. Sem falar que a preparação para Tóquio é muito mais complicada, principalmente em esportes como a vela, do que velejar em casa. Sobre a Rio-2016, eu acho que a participação do Brasil foi muito boa e acima da expectativa, porque o objetivo era bastante alto, ambicioso, e a gente chegou muito perto disso (foram conquistados uma medalha de ouro, com a dupla Martine Grael e Kahena Kunze, na 49erFX, além de dois quartos lugares, com Robert Scheidt, na Laser, e Jorge Zarif, na Finn). Foi uma campanha muito boa para o Brasil. O desafio é a gente tentar manter o alto nível. Todo país que sedia os Jogos Olímpicos tem uma melhoria no seu nível de participação – normalmente, é sua melhor participação histórica. No caso da Grã-Bretanha, eles foram além, conseguindo um melhor resultado na Rio-2016 que em Londres-2012 (foram dois ouros e uma prata contra uma de ouro e quatro de prata). Agora, para haver uma mudança radical, tem que investir muito mais no esporte jovem, aumentar a base da prática esportiva no Brasil. Tem pouca gente praticando esportes olímpicos no Brasil, hoje, e a gente tem que melhorar isso.

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