SSB or not SSB

Por: Redação -
13/08/2014

Esquecendo um pouco a nossa dita “era eletrônica”, lembramos que no passado as comunicações não eram nada parecidas com o que tempos hoje à nossa disposição. Esses eram os tempos que o VHF era a principal ferramenta de comunicação e que enfrentávamos filas de espera enormes para conseguir uma mísera chamada a cobrar para um número fixo em terra. Além do nome do barco e do prefixo, as estações costeiras pediam o QRC, ou código de cobrança, para o caso da ligação ser paga pelo dono do barco. Após aguardar horas, conseguíamos realizar uma chamada, bastante clara por sinal, onde não somente nós participávamos da ligação, mas também quem quisesse podia ouvir pelo menos um dos interlocutores numa espécie de teleconferência.

Outra opção, que era mais utilizada quando nos afastávamos da costa, era o SSB, do inglês Single Side Band, também conhecido por HF no Brasil, ou Rádio de Alta Frequência, derivado do inglês Higth Frequency. Estes caros equipamentos eram extremamente restritos a uns poucos canais, visto que ainda utilizavam cristais para realizar a modulação de cada frequência, além de consumir uma barbaridade de energia. Com o tempo, foram criados os rádios sintetizados, que permitiam sintonizar qualquer frequência com apenas um cristal, e também surgiram os canais padronizados no mundo todo. O Brasil, como não poderia deixar de ser, além de ter deixado de exportar os cristais que produzíamos, acabou adotando frequências que não fazem parte do que se tornou o padrão internacional de comunicação. Com isto, quando compramos um caro e moderno SSB novinho, descobrimos que os Iate Clubes não operam nas frequências padronizadas, e precisamos pagar também pelo “destravamento” das frequências, permitindo que passemos a operar em canais, digamos, até certo ponto irregulares.

Quem já teve a oportunidade de falar em um rádio destes antigos sabe que às vezes se consegue uma chamada muito boa, outras vezes é como se mantivesse um diálogo com o Pato Donald. Tenho lembranças boas e ruins destes tempos, quer seja quando tentei conversar com minha família na viagem de regresso de uma ida ao Japão em um navio da Petrobras, quer seja quando meus tripulantes falavam com o operador Flavio do Iate Clube do Rio de Janeiro (PYE-21) todos os finais de tarde de uma travessia de veleiro do Rio à Flórida, para saber sobre o capítulo da novela do dia anterior, enquanto isto Salomão Hayala e Odete Roitmann tomavam chá em algum lugar da tv, pois sinceramente não me lembro que novela eles acompanhavam tão febrilmente.

Hoje, o SSB gera uma fonte de receita para os importadores e uma fonte de apurrinhão para os donos de barcos, pois seu uso é praticamente nulo a bordo. Proprietários de barcos mais abastados e modernos preferem investir em um equipamento de comunicação via satélite, como o Inmarsat-C, do que em um rádio de operação complicada e que sua eficiência depende da propagação de um sinal lançado a esmo na atmosfera. É bem verdade que no exterior, os cruzeiristas fazem um grande uso destes equipamentos, e que, as chamadas “Rodas dos Navegadores”, onde estações terrestres prestam apoio (muitas vezes remunerado) a barcos que realizam longas travessias, e tem nessa rede de estações apoio para receber boletins e previsões meteorológicas, resolver problemas mecânicos simples, conseguir informações sobre portos e agendar possíveis reparos e peças com antecedência. Fora isto, existe provedores que enviam mapas meteorológicos e ainda operam caixas postais de internet via SSB, abrindo um enorme leque de opções.

Após o advento do GMDSS, que é o atual sistema de chamada de socorro, estes mesmos rádios receberam acessórios ligados a segurança, como interface com o gps e o botão de chamada de socorro (Distress), que infelizmente não foi adotado por nossas autoridades. Cabe aqui uma pequena observação, não se consegue entender o porquê do Brasil simplesmente não cumprir certos acordos internacionais dos quais é signatário, como o fato das estações costeiras do Brasil não possuírem equipamentos para operar este sistema, diga-se implementado mundialmente e negligenciado por nós, como Estado.

Voltando ao SSB, fica a dúvida, se deveríamos manter estes equipamentos como exigência para barcos que naveguem para o alto-mar, como manda a Normam03, ou se deveríamos deixá-lo como opção para os mais aventureiros, permitindo que pudéssemos substituí-lo por uma tecnologia mais eficiente como a satelital. Não que o custo seja menor, ainda não o é, mas tem sim, maiores possibilidades que as ditas aleatórias frequências de rádio.

O Inmarsat-C possui o tal botão Distress, mas a recepção de seu pedido de socorro se faz por uma rede internacional de monitoramento, que rastreia os satélites Cospas-Sarsat e seu pedido será passado diretamente aos órgãos competentes, sem depender da boa vontade de uma multinacional de telecomunicações, que não vê sentido em atender assuntos de bem estar público que não geram lucro para suas matrizes. Neste equipamento é possível receber boletins de tempo, avisos de segurança, avisos aos navegantes e ainda realizar o trekking do barco em travessias. As comunicações, através de email também são possíveis, mas seu custo proibitivo para qualquer mensagem que não seja realmente importante.

De certa forma, o Brasil já deixou de lado o Navtex, um serviço do qual (mais uma vez) fomos signatários, e que nunca fizemos funcionar, em troca do Inmarsat-C, pois nossas autoridades concluíram que é melhor ter um equipamento via satélite do que algo que utiliza estações costerias para transmissão, sendo o Brasil um dos poucos países do mundo onde as comunicações de segurança não são prestadas por um orgão público, seja civil ou militar. O Navtex traria grandes vantagens aos navegadores ditos de menor poder aquisitivo, pois tem quase o mesmo leque de serviços, menos o envio/recepção de mensagens, e tem um custo muito mais adequado a embarcações de menor porte, como a quase totalidade de nossa frota pesqueira profissional, além dos veleiros e lanchas que cruzam nosso imenso e quase inóspito litoral.

À Marinha do Brasil e a Anatel caberia pressionar a operadora da Rede Radio Costeira, antigamente a Embratel, para que atenda ao GMDSS, ou nos dispense de ter de adquirir equipamentos que, simplesmente, não funcionam como deveriam em nosso próprio litoral. Numa grossa comparação, de nada adianta chamar pelo apito, se o vigilante é surdo!

 

Alvaro Otranto é navegador de longas travessias, um dos mais antigos colaboradores da revista Náutica e criador da Moana Livros, primeira livraria na internet especializada em temas de mar e aventura.

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