4ª Por uma Cidade Navegável mostrou que os barcos podem ser viáveis até na maior metrópole do país

Por: Otto Aquino -
19/12/2019
Foto: Sky Sampa/Take Boom Porduções

Assim como o Rio de Janeiro tem a Baía de Guanabara, São Paulo tem um esgoto a céu aberto: o Rio Pinheiros, o segundo mais poluído do país, depois do Rio Tietê, que é quase uma continuação dele. Mas, será que é possível navegar nas águas transbordantes de lixo e esgoto deste rio paulistano? É claro que sim. No mês de setembro, em uma iniciativa do São Paulo Boat Show, dois grupos de 20 pessoas (jornalistas e fotógrafos de emissoras de tv, rádios, jornais e sites de notícias, além de convidados selecionados pelas redes sociais) embarcaram em um bote inflável para percorrer um trecho de seis quilômetros do Rio Pinheiros, entre a Ponte João Dias e a usina de Traição, perto da Ponte Engenheiro Ary Torres, na Vila Olímpia, passando sob a Ponte Estaiada, um dos símbolos modernos da cidade de São Paulo.

A ação fez parte da quarta edição do projeto “Por uma Cidade Navegável”, criado pelo Grupo Náutica. Nas primeiras duas edições, em 2011 e 2012, o projeto foi realizado com a proposta de uma disputa entre uma lancha que navegou pelo Rio Tietê e um carro pela Marginal em horário de pico de trânsito na cidade. Como era esperado, a lancha não completou o percurso devido à quantidade de lixo que travou os motores nos primeiros minutos. Na terceira edição, realizada em 2014, a campanha de NÁUTICA levou ao Rio Tietê um ônibus anfíbio com diversos ex-atletas que haviam participado de competições de remo e natação que ocorriam na década de 40 no Rio Tietê, quando a população podia desfrutar do mesmo com práticas desportivas.

Neste ano, em sua quarta edição, as pistas da Marginal Pinheiros, por onde andam os carros, estavam congestionadas na zona sul de São Paulo, enquanto o bote inflável, com motor de popa, deslizava tranquilo pelo leito do rio. Assim, quem estava navegando (com o barco acima dos 30 nós) levou apenas 15 minutos para percorrer esse trecho do rio, metade do tempo estimado para os carros vencerem o mesmo trajeto da Marginal. No percurso do rio, poluído até a última gota, além de sentir a cidade sob uma perspectiva diferente (e um tanto quanto impactante), os passageiros a bordo foram apresentados às capivaras, que tomavam banho de sol às margens do rio, e às garças brancas, que se alimentam dos pequenos peixes que chegam carregados por outros rios que desembocam no Pinheiros.

A ação Por Uma Cidade Navegável nasceu para chamar a atenção para a possibilidade de a maior metrópole do país usar seus rios como opção de transporte e os benefícios de sua recuperação. “O transporte fluvial seria uma ótima solução para desafogar as avenidas Marginais de São Paulo e melhorar o trânsito. Mas o primeiro passo é conscientizar para não sujá-lo mais”, defende Ernani Paciornik, do Grupo Náutica. Felizmente, o governo do estado de São Paulo já comprou essa ideia. Com o investimento de ao menos R$ 1,5 bilhão, o governador João Doria promete despoluir o Rio Pinheiros até 2022 para ser explorado turisticamente ou como meio de transporte público, com a instalação de estações de embarque e desembarque flutuantes ao longo das margens do rio. Além disso, o governador pretende construir um ponto turístico na Usina de Traição, com restaurantes e bares, a exemplo do que ocorre em Porto Madero, na Argentina.

A recuperação do rio, e de suas margens, está a cargo da Sabesp, do Daee, da Cetesb e da própria Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), além dos órgãos competentes através da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. De acordo com Marcos Penido, Secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente, as empresas responsáveis pelo início de mais uma etapa do projeto Novo Rio Pinheiros já foram selecionadas para o desassoreamento e desaterro de 1,2 milhão de metros cúbicos de detritos, no período de um ano, com investimentos que somam quase R$ 70 milhões. “Este é mais um passo para a melhoria do rio. O desassoreamento ajuda no aumento da oxigenação e na dissolução de poluentes”, explica Penido.

Por sua vez, Ronaldo Camargo, presidente da Emae, garante que todos os meses estão sendo retirados 500 toneladas de lixo do Rio Pinheiros, volume suficiente para preencher seis piscinas olímpicas. “Trata-se do maior desassoreamento já realizado no Pinheiros”, afirma. Segundo Camargo, que participou do passeio de barco pelo rio, a Emae vem testando, sem custos para a companhia, novas tecnologias para a limpeza do Pinheiros. Por meio dos Ecoboats, por exemplo, a empresa recolhe dezenas de toneladas de lixo flutuante das águas todos os meses. As outras técnicas são a máquina sueca de retenção de resíduos e as ecobarreiras, que têm a função de reter o lixo e facilitar o recolhimento.

O exemplo inglês

Tempos atrás, quem caísse nas águas do Tâmisa morreria. Aconteceu com o príncipe Albert, que contraiu febre tifoide porque gostava de tomar banho no rio, e com cerca de 600 passageiros do navio a vapor Princess Alice, que ali afundou em 1878 — só que as vítimas não morreram afogadas, e sim intoxicadas pela contaminação com esgoto e toda sorte de resíduos, porque a Inglaterra vivia o auge da sua era industrial. Na época, o rio que corta Londres, tal qual o Pinheiros em São Paulo, ganhou até um melancólico apelido: Grande Fedor, porque as sessões do Parlamento tinham que ser suspensas por causa do mau cheiro que emanava de suas águas podres.

Foi quando o governo resolveu agir — 120 anos atrás, quando nem a palavra “poluição” era conhecida. Hoje, pode-se até pescar nas águas limpas do Tâmisa. Mas não foi tão fácil assim. Nos anos 1950, o Tâmisa chegou a ser declarado biologicamente morto, porque a questão do esgoto ainda não havia sido resolvida, o que só aconteceria em seguida. Mas bastaram 20 anos para o rio começar a dar sinais de recuperação e os peixes introduzidos pararem de morrer. Ainda assim, até hoje, estações vigiam a quantidade de oxigênio na água. Quando o nível cai, eles injetam mais. Com isso, a resposta da natureza tem sido mais intensa. Os barcos voltaram e o velho rio já respira como antigamente. É um ótimo exemplo para o pobre Pinheiros.

A Emae promove também o plantio de 30 mil mudas nativas da Mata Atlântica Paulista nas margens do rio, o que só está sendo possível graças à recuperação do viveiro do Pomar Urbano, projeto de recuperação ambiental e paisagística do Rio Pinheiros. Paralelamente, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) fica responsável por todas as obras de ampliação e adequação do sistema de esgotamento sanitário. O projeto pretende realizar intervenções em áreas dos grandes afluentes do Pinheiros, onde atualmente moram cerca de 3,3 milhões de pessoas. Serão 500 mil casas que precisam ter seu esgoto encaminhado às estações de tratamento e mais 73 mil imóveis que precisam ser ligados às redes de coleta. Também estão previstas ações socioambientais, engajando a população a preservar as mudanças e a colaborar com a limpeza.

Apesar de hoje estar sujo e malcheiroso, o Rio Pinheiros desempenhou um papel estratégico no deslocamento das primeiras populações do planalto paulista. Vindos do litoral por um caminho alternativo para chegar à vila de São Paulo de Piratininga, os jesuítas entravam pela atual região sul da cidade pelo Rio Grande, que desaguava no Guarapiranga para formar o Rio Pinheiros. Dali, onde se encontrava o aldeamento de Santo Amaro, fundado em 1560 por Anchieta, era possível na época das chuvas alcançar de barco o Rio Tietê, entrar no Tamanduateí, para aportar na aldeia de São Paulo. O rio, que era bastante sinuoso, começou a ser retificado a partir de 1928 — processo que só foi terminado no início da década de 1950. E até a década de 1970 era possível pescar no Rio Pinheiros. Tudo mudou. A campanha Por Uma Cidade Navegável oferece justamente uma volta aos velhos e bons tempos, promovendo uma nova relação dos paulistanos com o seu famoso rio. Assim como algumas capitais da Europa (como Londres, Paris e Amsterdã, que despoluíram seus rios), São Paulo pode ser uma cidade navegável, mesmo não estando à beira-mar. E, quem sabe, até resgatar o emblemático Farol do Jaguaré, também conhecido como “Mirante do Jaguaré”, engolido pelas casas e favelas que revestiram completamente o morro onde ele fica, bem diante da confluência dos dois principais rios que cortam a capital paulista, o Pinheiros e o Tietê.

Não parece, mas já está mudando

A poluição do Rio Pinheiros ainda é absurda. Mas isso não quer dizer que nada venha sendo feito para combater o problema. Ao contrário, várias ações já estão em prática para tentar reverter — ou, pelo menos, diminuir, a médio prazo — aquela imunda paisagem. Há sérias tentativas em curso para trazê-lo de volta à vida. E isso é perfeitamente possível, desde que, primeiro, estanque-se o foco do problema. Ou seja, que se pare de sujar o rio.
Embora ainda não seja visível na água preta e pastosa do Pinheiros, o governo de São Paulo tem colocado em prática o maior programa de saneamento ambiental do país. O objetivo inicial é diminuir drasticamente a quantidade de esgoto que vai parar no rio — quase sempre através de ligações clandestinas nos córregos que nele deságuam —, para, controlado isso, começar o processo de recuperação de fato. Apesar de embrionárias, as ações já estão trazendo alguma esperança. Um dos exemplos é a própria ação promovida pelo Grupo Náutica, mostrando um rio menos “sólido” na quantidade de detritos na água — que, no entanto, continua pavorosamente imunda. Mas não se limpa um rio da noite para o dia.

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