Náufragos III

Por: Redação -
18/01/2016

Por mais incrível que possa parecer, dentre os maiores sobreviventes encontramos alguns dos maiores trapalhões dos sete e outros mares. Alguns deles deveriam ter ficado 171 dias no mar, o que seria mais apropriado às suas historias.

100 dias: Richard Van Pham, o reincidente!

Richard Van Pham

Natural de Long Beach, California, Richard Van Pham tinha 62 anos quando saiu para uma pequena travessia rumo à Ilha de Catalina. A viagem, que deveria durar três ou quatro horas, foi radicalmente prolongada devido a uma tempestade. O barco perdeu o mastro, as antenas de rádio e, depois, o motor. Impossibilitado de retornar, ele foi levado pela correnteza e permaneceu à deriva por mais de três meses.

Conseguindo capturar uma tartaruga, utilizou-a como isca para aves que tentavam pegar os pedaços de carne presos ao convés. Ele conseguiu destilar água com a luz do sol, bebendo o produto e, ainda, utilizando o sal para conservar a carne. Chegou até mesmo a cozinhar gaivotas utilizando parte da madeira do barco como combustível em uma fogueira improvisada.

Todos os dias ele vigiava o horizonte à procura de terra ou de outro barco, mas sem sucesso, até que certo dia foi visto por um pequeno avião que notificou às autoridades e, algumas horas depois, foi resgatado após quase quatro meses no mar.

Devido à fama conseguida pelo seu admirável feito de sobrevivência, Pham acabou recebendo de doação um barco novo, equipado com tudo o que havia de mais moderno em equipamentos de comunicação e navegação.

Pasme, cerca de dois anos depois, foi encontrado novamente à deriva, após apenas alguns dias de desaparecido, porém sem sinal dos caros equipamentos que havia sido presenteado. Após o resgate, a US Coast Guard o multou por não possuir nem ao menos o equipamento obrigatório a bordo.

 117 dias: Maurice e Marilyn Baily

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Marilyn e Maurice partiram de South Hampton no mês de junho de 1972 em seu veleiro de 31 pés com o plano de emigrar para a Nova Zelândia. Em fevereiro do ano seguinte, passaram pelo Canal do Panamá e, uma semana depois, enquanto navegavam pelo Pacifico, foram atingidos violentamente por uma baleia. A água entrava com violência pelo enorme rombo. Imediatamente, o casal inflou sua balsa de abandono e seu bote de apoio.

Rapidamente, lançaram para os mesmos tudo o que puderam salvar, levando algumas latas de comida, um fogareiro a gás, carta náutica, bússola, um reservatório de água, passaportes e um estojo de reparo de bote. A bordo e com os dois barcos amarrados entre si, acompanharam o naufrágio de seu veleiro, até então sua casa.

Nos primeiros dias, comeram os alimentos em conserva, porém, depois, alimentaram-se de aves marinhas, tartarugas e peixes que conseguiram pescar com equipamento improvisado. As chuvas lhes forneceram água.

Durante o tempo em que estiveram à deriva, contaram sete navios passar ao largo sem vê-los. Os dias se tornaram semanas e, depois, meses, que foram sendo vencidos. Suas roupas se gastaram, seus infláveis de deterioraram e os esforços para mantê-los inflados eram contínuos. Feridas se abriram em suas peles ressecadas pelo sol e sal.

No dia 30 de junho, seu martírio chegou ao fim, quando um barco de pesca coreano viu o pequeno ponto escuro no vasto oceano e resolveu inspecionar mais de perto. Ao se aproximar, laçaram a balsa e encontraram em seu interior o casal desmaiado, provavelmente em seus últimos minutos de vida. Cada um perdeu mais de 20 quilos e se encontravam totalmente anêmicos, desidratados e em confusão mental. Eles haviam derivado mais de 1 300 milhas.

133 dias: Poon Lim

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Poon Lim, 25, foi o recordista de sobrevivência no mar por quase sessenta anos. Embarcado em um navio mercante britânico como taifeiro (um tipo de garçon), partiu de Cape Town no dia 23 de novembro de 1942. Torpedeado por um submarino alemão, apenas alguns dias após a partida, viu seus 53 companheiros perderem a vida, no rápido naufrágio.

Tendo se atirado antes do afundamento, manteve-se à superfície na esperança de achar algum dos barcos salva-vidas. Após quase duas horas, pôde localizar um, embarcando exausto.

A bordo, encontrou um pequeno suprimento de água, biscoitos de ração, alguns foguetes e uma lanterna. Ele resolveu manter seu consumo em apenas dois biscoitos por dia e alguns goles de água, a fim de sobreviver por cerca de um mês. No final do primeiro mês, e tendo avistado vários navios que não o viram, concluiu que teria de sobreviver até que chegasse a algum ponto de terra.

Ele pescou utilizando um pedaço de fio e um pedaço de biscoito como isca. Após pegar o primeiro peixe, começou a utilizar parte dele como isca e, assim, sucessivamente. Conseguiu pegar aves marinhas e tubarões, bebendo seu sangue para complementar a pouca água de que dispunha. No melhor estilo náufrago, fez marcas na borda da balsa, para controlar o tempo de sobrevivência e nadava duas vezes ao dia, a fim de não perder a capacidade física (somente um oriental iria tomar este cuidado).

No dia de número 131, notou uma mudança na coloração da água, aves marinhas e algas, indicando que estaria próximo de terra. No 133º dia, ele viu uma pequena vela no horizonte, que veio em seu auxilio. Ele estava nas proximidades da “nossa” foz do Rio Amazonas, e havia derivado todo o Atlântico Sul e já beirava outro hemisfério.

Neste enorme período, ele perdeu apenas 10 Kg e manteve sua saúde inalterada, não necessitando de apoio para caminhar após seu resgate.

147 dias: Os Sobreviventes da Caixa de Gelo

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Em um dia 23 de agosto, um barco de pesca tailandês de apenas dez metros, com cerca de vinte tripulantes, rompeu o fundo ao enfrentar mares revoltos ao largo da costa australiana. Dezoito deles se perderam no mar e dois nativos de Burma conseguiram se salvar, entrando em uma grande caixa de gelo.

A tormenta que atingiu a frágil embarcação foi o Ciclone Charlotte, com ventos de mais de 50 nós, e por muita sorte a caixa não emborcou nestas condições de mar. Por ser a estação das monções, conseguiram sobreviver devido à chuva que caía diariamente, pois o único alimento que tiveram foram os peixes que estavam no interior da geleira.

No dia 17 de janeiro, um avião da Alfândega Australiana os localizou durante um vôo de rotina, enviando um helicóptero de resgate. Após serem tratados de desidratação, anemia profunda e queimaduras de sol, foram enviados de volta às suas famílias.

300 dias: Pescadores Mexicanos

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Lucio Rendon, Salvador Ordonez, Jesus Eduardo Vivand e mais dois companheiros partiram em uma baleeira de 25 pés para uma pescaria de três dias, no início de outubro de 2005, do porto de San Blas Nayarit, México.

Após lançar seu equipamento de pesca, voltaram ao litoral e comemoraram no aguardo de uma grande pescaria (coisa de latino). No dia seguinte, retornaram para retirar o equipamento de pesca e nada encontraram. Rodaram algumas horas atrás do caro equipamento, e acabaram ficando sem combustível. Como estavam muito longe de terra, não puderam remar, e os ventos ajudados pela correnteza levaram o barco para longe do litoral.

Eles tinham suprimentos para uns quarto dias, após este período começaram a passar muita sede e fome, permanecendo sem comer e beber nada. No terceiro dia após o fim dos víveres, começaram a beber água do mar, o que os fez apenas piorar. No dia seguinte, começou a chover e com o auxílio dos tambores de combustível, que foram lavados com água do mar, puderam recolher cerca de 200 litros de água. A fome continuava intensa e a primeira refeição que conseguiram foi provida por uma tartaruga que passou ao lado do barco. Ergueram o animal e cortaram-lhe a cabeça recolhendo e bebendo seu sangue, e depois dividiram sua carne. Dois dos companheiros não conseguiram comer a carne crua e acabaram morrendo de fome, antes do final de novembro.

Eles continuaram caçando tartarugas, somando 103 animais até a data do resgate. Caçaram aves marinhas e, com o auxilio de uma ferramenta improvisada, rasparam as cracas que haviam aderido ao casco e as utilizaram como isca para pequenos peixes, que foram utilizados de isca para peixes maiores, completando a cadeia alimentar em seu modo mais primitivo.

Por precaução, salgaram a carne de peixes e tartarugas, guardando para quando não pudessem pescar. Acredita-se que não morreram de escorbuto, pois pequenas quantidades de Vitamina C podem ser encontradas na carne crua e visceras de peixes e outros animais.

O barco derivou até 9 de agosto de 2006, quando foram detectados pelo radar de um pesqueiro de Taiwan. O resgate os encontrou bastante magros, mas ainda saudáveis. Eles estavam a 200 milhas ao Norte do litoral da Austrália, e singraram 5 500 milhas através do Pacífico.

No dia 25 do mesmo mês, os integrantes Jesus, Salvador e Lucio (que significa Luz ou Iluminado) foram recebidos em sua terra natal, festejados como um milagre divino.

390 dias: José Salvador Albarengo, ganhou mas não levou!

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Nosso recordista, um pescador salvadorenho de 37 anos foi encontrado nas Ilhas Marshall em estado de confusão mental. O relato dele trouxe o fato de que havia passado cerca de 13 meses no mar, pois afirmou que seu barco quebrou no litoral do México, tendo derivado mais de 5 mil milhas. Durante este período, ele se alimentou de tartarugas, aves marinhas e peixes apanhados com as mãos, bebendo até mesmo sua própria urina.

Ele havia saído em seu barco de apenas 23 pés para pescar com um jovem, e foi arrastado de sua área habitual por ventos fortes. Com a quebra do motor, permaneceu sem conseguir chamar a atenção de outros barcos, até ser arrastado pelas correntes. Cerca de um mês depois da quebra, o rapaz que o acompanhava faleceu de fome e sede.

Sua história, porém, ainda não foi aceita pelas autoridades, que desconfiam de que ele, na realidade, foi utilizado como “mula” de drogas, entre o México as Ilhas Marshall, onde o consumo de cocaína é liberado, mas o tráfico não. Seu estado clínico foi considerado “irreal” pelos médicos, pois nem queimaduras de sol ele tinha e gozava de boa saúde ao ser encontrado (meio gordinho como se vê na foto).

É prática comum entre os traficantes, “absorver” alguns dos pequenos barcos que levam as drogas do litoral do México para a embarcação-mãe, que irá fazer o transporte oceânico da droga. Muitas vezes, os botes são embarcados e transportados a fim de facilitar o desembarque em seu local de destino. Este fato, aliado a complicações anteriores do sobrevivente com a justiça, deixam ainda muitas dúvidas no ar e no mar…

 

Alvaro Otranto é navegador de longas travessias, um dos mais antigos colaboradores da revista Náutica e criador da Moana Livros, primeira livraria na internet especializada em temas de mar e aventura.

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