Navegando em águas doces, médicos salvam vidas ribeirinhas na Amazônia

Por: Redação -
15/02/2021
Rubens Almeida Prado, coordenador e um dos idealizadores do Doutores das águas - Imagem: Rodrigo Larrabure/Doutores das Águas

Longe das selvas de pedra e rodeados pela natureza, é à base da pesca, caça e agricultura de subsistência que vivem os povos ribeirinhos na Amazônia. Adaptando-se aos períodos de chuva e ocupando o que seria a terceira margem, são os rios que comandam a vida de milhares de famílias que vivem em casas de madeira suspensas em palafitas.

Diante de uma perspectiva em que saneamento básico e eletricidade são luxo, o povo esquecido é visitado uma vez por ano pelos Doutores das Águas, um projeto criado em 2011 por um grupo de médicos e pescadores de São Paulo que, a cada viagem que faziam à floresta, se sensibilizavam com as histórias dos ribeirinhos que conheciam.

Inscreva-se no canal de NÁUTICA no YouTube e ATIVE as notificações

Povo ribeirinho sob visita dos Doutores das águas – Imagem: Rodrigo Larrabure/Doutores das Águas 

Há dez anos o projeto leva atendimento médico e odontológico a centenas de famílias que vivem em comunidades isoladas nas bacias do Rio Negro e do Rio Madeira, ao norte e ao sul de Manaus, respectivamente. 

A primeira viagem foi em abril de 2011. Um grupo de seis pessoas constatou que os ribeirinhos precisavam de qualquer apoio possível. De lá para cá, o projeto cresceu e se tornou importante para as comunidades. 

“Durante quatro anos a gente só trabalhou com barcos emprestados. Era muito complicado, não se podia fazer nada nos barcos, tínhamos que montar toda a infraestrutura quando chegávamos nas comunidades. Perdíamos horas nessas montagens”, disse Rubens de Almeida Prado, 65, coordenador-geral e um dos idealizadores do projeto, à reportagem de NÁUTICA.

Além disso, essa infraestrutura era muito precária para os médicos. “Os atendimentos eram debaixo de árvores, dentro de igrejas, em banquinhos de madeira”, relata Rubinho. 

O barco ambulatório – Imagem: Rodrigo Larrabure/Doutores das Águas

No quinto ano, em 2015, o projeto, que vive através de doações, conseguiu os recursos necessários para montar um barco que servisse tanto para a locomoção dos médicos quanto para os próprios atendimentos. “Fizemos um barco pronto: com quatro salas médicas, quatro consultórios odontológicos, farmácia e salas para intervenções cirúrgicas”. 

Consultório odontológico – Imagem: Rodrigo Larrabure/Doutores das Águas

Com capacidade para 32 voluntários, há no barco ambulatório oito suítes para essas acomodações. Visto que toda ação é completamente voluntária, todos os profissionais, de instituições renomadas, pagam a própria passagem para Manaus.

Saindo da capital manauara, em direção ao norte, a primeira comunidade atendida está a cerca de 30 horas de navegação. Sete comunidades são visitadas através da Bacia do Rio Negro. Depois disso, o barco retorna para Manaus onde é reabastecido e segue, desta vez, em direção ao sul, na Bacia do Rio Madeira, onde mais cinco comunidades são assistidas.

“A gente para em doze comunidades, mas atende cerca de trinta. Ao parar em uma comunidade, recebemos moradores de locais próximos”, explica. 

Hoje, quando o barco e os voluntários chegam em uma comunidade ribeirinha é sinônimo de festa no local. No entanto, no começo, não foi fácil mostrar aos ribeirinhos que eles seriam ajudados e não prejudicados. “ ‘O que vocês estão fazendo aqui?’ Era o que eles diziam”, conta Rubinho e ainda enfatiza que, aos poucos, o projeto foi ganhando credibilidade nas comunidades. 

“No primeiro ano, antes de ir embora, dissemos a eles que voltaríamos e eles não acreditaram. Quando voltamos, um ano depois, já foi uma surpresa”, detalha. Segundo dados do projeto, no primeiro ano foram atendidos 1.000 ribeirinhos. Enquanto na última visita, em 2019, esse número chegou a 3.200, seja o atendimento médico ou odontológico. 

Atendimento médico é realizado, sobretudo, em crianças – Imagem: Rodrigo Larrabure/Doutores das Águas

“O ribeirinho é esquecido, é carente. Eles nunca tiveram médicos. Quando chegamos lá, havia crianças de quinze anos com todos os dentes perdidos. Precisamos ensinar tudo para eles”, desabafa Rubinho. O impacto causado pelo Doutores das Águas vai além de quadros clínicos.

“Dar a capacidade de sorrir para uma pessoa é uma mudança radical na sua autoestima”. 

Leia mais:

>> O casal que trocou o asfalto do Rio de Janeiro pelas águas do litoral brasileiro

>> Pai e filho passam horas construindo barcos a controle remoto: “É a nossa paixão”

>> Brasileiro constrói veleiro com filmes solares nas laterais do casco para viajar o Atlântico

Infelizmente, pela pandemia de covid-19, o ano de 2020 quebrou a sequência de nove visitas seguidas às comunidades espalhadas pela Floresta Amazônica. Segundo infectologistas do projeto, era arriscado colocar os ribeirinhos em risco. Entretanto, foi possível ajudá-los de uma outra maneira: doando insumos. “Tudo que nos foi doado nós repassamos para eles: remédios, luvas e máscaras”, conta Rubinho. 

Em abril de 2020, uma pequena equipe a bordo de um barco alugado distribuiu os insumos pelas comunidades atendidas pelo projeto. “Foi nossa maneira de ajudar, sem colocá-los em perigo”. 

Equipe do projeto – Imagem: Rodrigo Larrabure/Doutores das Águas

Quando toda equipe médica do projeto estiver vacinada, o atendimento pode voltar a acontecer. “Adiamos nossa visita para julho. Acreditamos que boa parte da equipe médica já estará vacinada”, pontua Rubinho. 

Fora os atendimentos em si, existem diversas campanhas de conscientização que ensinam, por exemplo, os ribeirinhos a terem regularidade na escovação dos dentes. Tal ação não é um ato de modificar a cultura desses povos, mas, sim, um aprimoramento na vida dessas pessoas. 

“Esse é um trabalho que nos deixa enaltecidos. Faz até melhor para nós do que para eles, na nossa maneira de enxergar e de lidar com o mundo e as diferenças”, finaliza Rubinho.

Em dez anos de projeto, são dez visitas em cada comunidade. Pode não parecer, mas faz toda diferença. A falta de recursos impede que os Doutores estejam mais presentes nessa região. Do mesmo modo, os resultados são revolucionários. 

Gostou desse artigo? Clique aqui para assinar o nosso serviço de envio de notícias por WhatsApp e receba mais conteúdos.

Náutica Responde

Faça uma pergunta para a Náutica

    Relacionadas

    NÁUTICA Talks recebe Álvaro de Marichalar em papo sobre volta ao mundo de jet

    Detentor de vários recordes no mar, explorador estará presente na série de palestras que acontece durante o Rio Boat Show 2024

    Nova V550 e jet elétrico serão destaques da Ventura no Rio Boat Show 2024

    Maior lancha da marca e primeiro jet elétrico do Brasil estarão ao lado de outros 11 produtos da marca no salão, de 28 de abril a 5 de maio

    Casal transforma container de navio em casa aconchegante e sustentável

    Paul e Cathy utilizaram materiais reciclados para construir os ambientes e criaram sistemas ecológicos para manter uma vida minimalista

    Tonelero: submarino brasileiro é lançado em evento no Rio de Janeiro

    Embarcação é fruto de um acordo selado entre Brasil e França e foi batizada em evento com autoridades nesta quarta-feira (27)

    Memória Náutica: relembre como foi o Rio Boat Show 2010

    Já em sua 13ª edição, o salão náutico do Rio a cada ano ficava "maior, mais forte e mais cobiçado pelas marcas estrangeiras"