Conheça o carro-anfíbio dos anos 1930 que ainda funciona em São Paulo

Por: Redação -
29/08/2018

Nem só de submarinos constituiu o arsenal marítimo dos nazistas na Segunda Guerra Mundial, travada entre 1939 e 1945. Boa parte das glórias obtidas pelos soldados de Adolf Hitler aconteceu graças à ação de um veículo cujo nome recheado de consoantes e de difícil pronúncia — Schwimmwagen — significa “carro flutuante” ou “carro que nada”. Sim, um anfíbio. Seria exagero dizer que os Schwimmwagen foram armas tão poderosas e decisivas na guerra quanto metralhadoras, canhões, tanques e submarinos. Mas tiveram sua importância como veículo de reconhecimento do terreno, reforçando o exército nazista nas travessias de rios, lagos e desertos — neste caso, o Saara, no norte da África, região conquistada por Hitler e seus aliados no meio do conflito.

Fotos Fernando Monteiro

Construído pela Volkswagen por ordem expressa de Adolf Hitler, o anfíbio é a versão militar do famoso Fusca, desenhado por Ferdinand Porsche no início dos anos 1930. Tem as portas soldadas e isoladas, que impedem a entrada de água. O primeiro protótipo foi apresentado aos militares em novembro de 1940. Aprovado, teve 100 unidades construídas, que ficaram conhecidas como modelo 128. Em 1941, um programa de aperfeiçoamento deu origem às séries 129 e 138. Porém, todos apresentam um problema comum: a dificuldade em sair da água em margens irregulares e com maior inclinação.

Um novo upgrade levou a uma versão com a distância entre eixos menor e um hélice na traseira: o Typ 166, a nomenclatura final, com a sopa de letrinhas à frente. Foi essa versão que passou a ser produzida em série. Entre 1942 e 1944, teriam sido construídas pouco mais de 14 mil unidades, o que transforma o Schwimmwagen no mais fabricado veículo anfíbio da história. Porém, quase todos os Fuscas anfíbios foram destruídos pelos Aliados ao fim da guerra perdida pela Alemanha. Por sua vez, a fábrica do carro — que tinha mão de obra escrava — foi bombardeada, tomada pelos ingleses, devolvida aos alemães depois da guerra e enfim privatizada para se tornar a Volkswagen que conhecemos. Hoje, restam cerca de 150 Schwimmwagen espalhados pelo mundo. Três estão no Brasil, sendo que dois foram trazidos pelo alemão Dieter Leonard Adolf Schnur, que, junto com os carros, trouxe uma história saborosa, digna de roteirista de cinema.

Senão, vejamos: Dieter tinha 14 anos de idade quando dois Schwimmwagen foram abandonados pelas tropas alemãs em fuga em frente à sua casa. Para que não fossem destruídos pelas tropas Aliadas, o jovem desmontou os modelos, embalou peça por peça e enterrou tudo no quintal. Dez anos mais tarde, em 1954, quando o governo alemão autorizou a compra oficial de artefatos de guerra, ele desenterrou seu tesouro e remontou os carros, que funcionaram perfeitamente.

Dieter veio para o Brasil em 1961, a fim de conhecer a recém-inaugurada fábrica da Volkswagen em São Bernardo, na Grande São Paulo. Trouxe, claro, suas relíquias de navio, armazenadas em contêineres. E teve uma surpresa: ao trocar um disco de embreagem, achou cartuchos com balas de metralhadora escondidos sob a carroceria de uma delas. Certo dia, uma dessas máquinas de guerra teve um pneu furado. Foi quando o atual empresário — e antigo borracheiro — Erineu Cicarelli entrou na história. “Foi amor à primeira vista. Fiquei apaixonado pelo carrinho e jurei que um dia ele seria meu.

E só sosseguei quando finalmente consegui comprá-lo, em 1985”, conta o empresário, de 73 anos. A lamentar, apenas o então mau estado do veículo. “Ele estava triste, debaixo de uma lona preta, perto de muita madeira. Aquilo podia até pegar fogo e destruí-lo”, lembra.
Restaurado ao custo de US$ 30 mil, hoje esse carro de guerra é atração por onde anda (e navega!). Preserva todos os itens da época em que serviu ao exército de Hitler: suporte, capota conversível e até uma metralhadora! E, por incrível que pareça, até hoje navega (e anda!) como no tempo da guerra. “Ele atinge 80 km/h em terra firme e 4 nós dentro d’água”, conta Erineu, que costuma pilotá-lo na represa Billings, em São Paulo.

O carro está equipado com um motor Volkswagen 1 300 — o original era de 1 130 cm3 e 25 hp — e suspensões independentes nas quatro rodas, além de tração 4×4 (somente na primeira marcha e na ré) e reduzida. Uma de suas peculiaridades é a cor amarelada, usada para camuflá-lo nas areias do deserto do Saara, quando o exército de Hitler conquistou a Líbia, o Egito e o Marrocos. É uma estrela andando pelas ruas. Parece um ET no planeta dos automóveis. Já na água, um ET no planeta dos barcos. NÁUTICA acompanhou Erineu num passeio de uma margem a outra na Billings, depois de rodar num trecho da Rodovia Anchieta com o velocímetro na casa dos 60 km/h. “Não gosto de maltratar”, justifica Erineu, lembrando que já atingiu 80 km/h com ele. O carro sai da terra e entra na água sem dificuldades. Para navegar, basta abaixar um hélice retrátil na traseira, que recebe a força vinda do motor, cujo ronco é o mesmo peculiar de um Fusca. As rodas da frente atuam como leme, seguindo a direção. “Já reboquei barcos com ele”, diverte-se Erineu.

O momento mais emocionante é a troca da terra pela água, num inusitado mergulho. Sobe uma adrenalina gostosa. A água chega a atingir mais da metade do capô e a impressão é de que toda a embarcação vai afundar. Depois de poucos segundos, o anfíbio retoma seu prumo na superfície. Dificilmente, porém, ele poderia navegar no mar, nem nos mais calmos dias do Mediterrâneo, já que a linha d’água fica muito alta. Igual a este “carro nadador” usado pelo exército alemão há 70 anos, há outros dois no Brasil. Um deles está em Campos do Jordão, o outro, sabe-se lá, provavelmente nas mãos de outro colecionador. Mas apenas o de Erineu está assim, impecável!

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